Nutricionista

Mónica Santos

"O importante é comer na medida certa"

Nutricionista

Mónica Santos

"O importante é comer na medida certa"

Em nome da saúde, da qualidade de vida e do bem-estar, é bom garantirmos no menu de todos os dias uma dieta plural, substantivamente rica em tudo, em especial pelo que nos dá a mesa portuguesa e mediterrânica. Já as propostas que iluminam a espuma dos dias, por muito sedutora silhueta que prometam, devem ser cuidadosamente ponderadas.

Por estas e por outras, é recomendável ouvir quem sabe…


Que mitos urbanos em torno da alimentação considera urgente desmontar sem hesitações?

Entre outras percepções nem sempre esclarecidas, destacaria a ideia do ‘bicho papão’ tantas vezes associada aos hidratos de carbono, apontados como o grande problema do controlo de peso. Antes de mais, convirá ter presente que numa dieta saudável – necessariamente equilibrada – a restrição maior anda sempre em torno dos hidratos de carbono, que sabemos serem um combustível. Dito isto, se nós os recebermos em quantidade que supera as nossas necessidades, eles vão ser prejudiciais; agora, consumindo aquilo que realmente nos é devido, sem ultrapassar os limites, isso só trará vantagens, ao permitir que todos os nossos metabolismos aconteçam. Portanto, o hidrato de carbono não é um bicho papão, é um nutriente necessário, energético, um combustível para que uma série de circuitos funcione. Temos, reforço a nota, é de comer aquilo que representa a medida certa para as nossas necessidades. Outra ideia muito partilhada no espaço mediático é a de que, se fizermos jejuns mais prolongados, conseguiremos perder mais peso. Ora, quando decidimos prolongar os períodos de jejum, ou diminuir o número de refeições, corremos o sério risco de estar a promover no organismo uma adaptação a viver em poupança, logo, a gastar menos energia. Na verdade, ao entrarmos num processo de grandes restrições, ou de jejuns superiores, é provável que venhamos a ter menor consumo energético. Mas, não tenhamos dúvidas, a mudança de padrão alimentar é meio caminho para reganhar peso. Na mesma linha de percepções cujos argumentos são questionáveis, temos um sem-número de considerações e narrativas a propósito da proteína, por muitos considerada a ‘salvação’ de todos os problemas alimentares; isto é, restringindo os hidratos de carbono, temos de fazer mais proteína. Atenção: aqui, estamos perante uma realidade bem diferente do que referi em relação ao hidrato de carbono – a proteína é um nutriente construtor de células, que todos os dias precisamos de reabilitar e substituir, mas não é um combustível. Acontece que nós somos consumidores exagerados de proteína, em quantidade que suplanta largamente as necessidades. Olhando muito claramente para o cenário que descrevo, a recomendação só pode ser esta: proteína, pois com certeza, mas sem excessos. Acresce, nestes tempos em que a sustentabilidade é tema preponderante à escala universal, que dificilmente poderíamos garantir o futuro das novas gerações a continuarmos com estes níveis de consumo.

Como avalia a gestão da água no quadro das relações Portugal-Espanha?

Na comparação com vários países, a nossa disponibilidade hídrica chega a ser invejável. A questão é que essa disponibilidade depende, cerca de 50%, de Espanha. Significa isso que, num ano em que os nossos vizinhos são afectados por uma crise, metade dos nossos recursos cai a pique. Depois, temos a tal instabilidade do clima mediterrânico a ditar as suas leis: é normal haver períodos de tempestade, períodos em que passamos 1-2 meses sem uma gota de água, e depois temos invernos em que chove dia sim, dia não. Agora, o que não deve ser desfocado é o quadro de bom relacionamento ibérico nesta matéria, estabelecido pelo tratado sobre os rios internacionais assinado em 1968 [Convénio entre Portugal e Espanha para Regular o Uso e o Aproveitamento Hidráulico dos Troços Internacionais dos Rios Minho, Lima, Tejo, Guadiana, Chança e Seus Afluentes e Protocolo Adicional] regulada pela Convenção de Albufeira desde 2000. E este acordo dá garantias de que volumes mínimos de água chegam cá. As notícias avançando que os espanhóis incumprem a sua parte habitualmente não são rigorosas. Convém esclarecer que os acordos prevêem situações de excepção – além de que os caudais são dependentes das precipitações – e o facto é que nos últimos tempos a excepção está a converter-se em regra. Portanto, não há incumprimento formal. Dando o exemplo do Guadiana, tivemos este ano uma situação excepcional, o que quer dizer que o volume que os espanhóis teriam de nos canalizar é de 63 hectómetros cúbicos – por ano, a afluência média aproxima-se dos 2.000 – mas dificilmente ultrapassará os 200 hectómetros cúbicos, pelo que a diferença diz tudo.

A alimentação é hoje objecto de reflexão cada vez mais alargada, até do ponto de vista da especificidade dos temas correlacionados, a gravidez, a menstruação…

Actualmente, temos perfeita consciência de que a nossa construção começa antes até do período de concepção, com a alimentação a constituir um factor influenciador da saúde materna e paterna e, consequentemente, dos nossos filhos. Tudo isso nos leva à importância de um aporte nutricional que começa previamente à gestação, susceptível de proporcionar maior robustez e defesa aos bebés. Relativamente ao segundo exemplo, sabe-se que alterações hormonais do ciclo menstrual podem levar efectivamente a períodos de maior ansiedade que, em termos de impacto alimentar, resultam em ingestão impulsiva; portanto, a menor regulação hormonal é, por definição, mais permeável, por exemplo, à propensão de maior consumo de açúcar.

Cetogénica, paleo, jejum intermitente, detox… Nos tempos que correm, sucedem-se as propostas de dieta que prometem eliminar a gordura em excesso e devolver a silhueta ideal. Neste ‘cardápio’, que caminhos considera susceptíveis de serem adequados, correctos, seguros?

Todos nós procuramos a juvenilidade, ter um envelhecimento saudável. Daí a preocupação com o peso e as alterações metabólicas que ocorrem com o nosso envelhecimento. Vem a propósito dizer que nós envelhecemos desde que nascemos, num processo que está relacionado, entre outras derivas, com o controlo do peso. Daí a importância da resposta adequada às alterações metabólicas, o que passa pela regulação da pressão arterial e dos níveis de glicemia. Importa sublinhar quando se fala, por exemplo, em restrições severas nos hidratos de carbono, que numa fase inicial podemos encontrar benefícios nas referidas dietas cetogénicas. Agora, a médio-longo prazo, a eficácia dessas opções pode cair por terra… Se a ideia, a decisão aponta para uma mudança de hábitos, o padrão alimentar efectivamente indutor de uma melhoria do nosso estado metabólico é a dieta mediterrânea. Todos os outros processos que se encontram no mercado acabam por ser, de algum modo, processos temporários para melhorar a nossa condição em determinada fase – podem ser uma alavanca para a mudança, mas não são, de todo em todo, sustentáveis, nem se superiorizam a outras metodologias.

O que deve motivar e justificar a procura de uma consulta de Nutrição?

Definitivamente, o desejo de nos sentirmos bem. Perceber se as nossas escolhas se adequam à fase que estamos a viver, ao nosso estilo de vida e se aquilo que estamos a fazer é promotor de saúde ou se pode ser um fcator de risco que no futuro, tudo isso é factor que deve interpelar-nos a procurar ajuda e aconselhamento especializado. Há, importa sublinhar, uma procura relevante e cada vez mais jovens a fazê-lo. A preocupação é crescente, o que gera mais informação e, em contraponto, mais desinformação. E, de tanta informação a circular, confesso que por vezes acabo por me sentir desinformada.

Também aqui, cada caso é um caso e, justamente por isso, carece de um acompanhamento individualizado conforme as suas características específicas?

Eu costumo dar este exemplo às pessoas que vêm à minha consulta: se a camisa que traz vestida não tem nada a ver consigo, se não gostar dessa peça de ‘roupa’, a solução é simples: mudar. O mesmo se aplica à dieta. Simplificando, a forma como eu vou comer tem de se enquadrar no meu estilo de vida. Justamente por isso, gerar um programa alimentar em função da especificidade de cada pessoa tem de ser a estratégia. Desde logo porque vai permitir a melhor adesão à proposta de ‘cardápio’, aos tempos e modos que correspondem ao fenótipo de cada indivíduo, bem como aos respectivos estilos de vida e às condições socioeconómicas.

Quando olha para a mesa dos portugueses, o que vê, considerando as boas opções e o que pecamos por excesso ou por defeito?

Vejo, logo à partida, um consumo de carne em Portugal que é, pelo menos, o dobro do aceitável, gravidade bem evidenciada diariamente nas consultas de Nutrição. Em bom rigor, esse consumo é quase três vezes superior às nossas necessidades, quando temos, em contraponto, um consumo baixíssimo de hortícolas, nomeadamente leguminosas, fonte fabulosa de proteína vegetal, com muito baixo teor em gordura, colesterol e hidratos de carbono de absorção muito lenta. A níveis também eles preocupantes, temos o consumo de fruta, mas particularmente de vegetais, o que explica a baixa ingestão de fibra, vitaminas e minerais, que são factores protectores da nossa saúde.

Ainda assim, continuamos a ser bons consumidores de peixe…

Sem dúvida. A par do peixe, destacamo-nos enquanto consumidores interessantes de azeite – o adjectivo ‘interessantes’ pressupõe, como é óbvio, que podemos melhorar. Comprovadamente, a gordura do azeite incorpora um efeito anti-inflamatório que importa incrementar e não perder de vista. Por outro lado, estamos a fazer alguma redução no consumo dos açúcares em razão dos avanços legislativos nesta matéria que naturalmente saudamos. Já nos vegetais e hortícolas, estamos francamente mal. Para terminar com sinal mais, assinalemos o consumo do peixe que – assim as condições de mercado o permitam – seria desejável incrementar.