Presidente e CEO do ISCTE Executive Education

José Crespo de Carvalho

"Temos de deixar o melhor legado possível às novas gerações."

Presidente e CEO do ISCTE Executive Education

José Crespo de Carvalho

"Temos de deixar o melhor legado possível às novas gerações."

Licenciado em Engenharia Civil, pelo Instituto Superior Técnico, fez o doutoramento em Gestão de Empresas, pelo ISCTE – IUL – Instituto Universitário de Lisboa, onde ascendeu a professor catedrático, funções que o levariam mais tarde a transitar para a Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa. Entretanto, foi director académico da formação de executivos na Nova School of Business and Economics (NOVA SBE).

Num percurso académico pontuado de distinções e reconhecimento, seria convidado a “voltar a casa”, em 2019, retomando o lugar de docente, que aceitou repartir com a presidência na formação de executivos do ISCTE Executive Education. Trocava, assim, sem nostalgia, mas com boas memórias, a brisa atlântica de Carcavelos pelo verde urbano de Lisboa.

Outras memórias que não se apagam nunca são também aquelas que lhe conferem sentido profundo ao universalismo português. Assim aconteceu ao averbar no curriculum – que não cabe aqui por inteiro – a formação executiva que fez no INSEAD, na Stanford University, na Harvard University (Law School), no MIT, no AIF, na Cranfield University, no IE e na Erasmus University – Rotterdam School of Management

 

 

Que leitura, que comentário lhe suscita a expressiva – improvável, talvez – procura pelo Ensino Superior, traduzida, no novo ano lectivo, num registo de candidaturas de que não há memória recente?

Numa altura de afunilamento da pirâmide etária, de menos jovens, é, no mínimo, paradoxal… Mas, não deixa de ser bom sinal. Anima-nos constatar que as camadas mais jovens vão dando o melhor de si para ter acesso a níveis mais elevados de ensino. E esse movimento que ‘escolariza’ contribuirá, creio bem, para maiores níveis de diferenciação, ao moldar mais pessoas de uma maneira diferente. O que significa que, no futuro, poderemos contar com um País que não será definitivamente o mesmo, nos seus contornos e substância, num registo de mais conhecimento e de pessoas formadas para actuar em novas áreas, munidas de competências diferenciadas ou, para ser mais exacto, diferenciadoras. Por tudo isto, é importante haver procura – e houve, cresceu – e oferta, que também se alargou. Resulta desse binómio que o mercado vai-se formando. E ainda bem que assim é, para bem do futuro.

De resto, este movimento em busca de uma qualificação, de uma progressão, de uma ascensão, de um posicionamento perante o mercado, tem – insisto – forçosamente de ser diferente. Estamos muito habituados em Portugal, desde sempre, a ‘jogar um jogo’ que tem os dias contados – por exemplo: eu sou licenciado em direito, logo, tenho de trabalhar como jurista; sou licenciado em engenharia, logo, a minha carreira far-se-á nesse mesmo campo. Tenhamos a lucidez de observar que a licenciatura é uma aptidão, um conjunto de conhecimentos que nos permite fazer coisas… mais coisas… de uma forma mais inteligente. E, lá está, os novos tempos levam-nos a trabalhar, a experimentar várias áreas para além daquilo que é a nossa referência formativa. E isso ainda não está muito assumido no País. O facto de, por exemplo, às vezes se pedir – e porque não? – um filósofo para uma organização de marketing ou um psicólogo para uma empresa que, por definição, não encaixa nessa competência, é coisa do passado.

O mundo mudou. Todo o mundo é composto de mudança – e isso não surgiu agora, vem de todos os tempos, como bem sabemos e nos lembra o soneto camoniano, que por vezes citamos e, até, cantamos… É certo que há profissões mais rígidas – não se pode exercer medicina, nem advocacia, nem arquitectura, nem engenharia sem o título correspondente. Mas existem e emergem muitas atividades que não requerem a respectiva competência formativa específica; a prioridade recai sobre o conhecimento geral, o saber, a inteligência, a visão crítica, a vontade de descobrir, reinventar, criar, inovar e ser autónomo. E isso, lá fora, acontece em mercados maduros, designadamente no Reino Unido e em vários países do Norte da Europa.

A nova geração, pensa Portugal ou pensa Mundo?

Actualmente, um jovem que apareça no mercado – a querer fazer o quê, não importa – e que surja sem uma experiência internacional, terá mais dificuldades. Porque essa experiência dá-lhe mundo, algo de que nós precisamos cada vez mais, outro cosmopolitismo, alguma visão aberta das coisas. Quem só viveu aqui, quem não fez Erasmus, quem não foi fazer um mestrado lá fora, está – de certa forma – ainda incompleto, precisa de ser burilado.

No geral, a Universidade portuguesa trabalha bem, é reconhecida no mundo como formando boas pessoas. E isso só nos deve orgulhar. Mas, os nossos alunos precisam de experiências fora e os de fora precisam de experiências entre nós. Por isso, podemos e devemos exportar Ensino Superior; não somos importadores de trabalhadores formados porque os nossos salários não são atractivos; mas somos exportadores de referência. Por exemplo, um alemão ou um sueco, que faça aqui um mestrado, tem tendência a voltar ao seu país de origem, porque não aceitará de início um salário que não ultrapassa os 1.000 euros.

Agora, na exportação, sim; nós sabemos exportar Ensino Superior, e tanto assim é que somos procurados por países desenvolvidos. Em que áreas? É uma procura transversal. Saúde, Economia, Gestão e Engenharia, principalmente. Falei da Alemanha não por acaso. Há, de facto, muitos alemães que procuram Portugal porque nós já vamos tendo – algo que ainda não é tão relevante nesse país – uma tradição em Escolas de Gestão. A Alemanha não tem tradição em Gestão. E isso aporta-nos diferenças, mais-valias. Acresce que, para eles, esta é também uma oportunidade para ganhar mundo, conhecer outros povos e outras formas de pensar.

No quadro das suas atribuições, ao presidir à Comissão Executiva do ISCTE Executive Education, que resposta concreta têm as Universidades portuguesas para dar aos alunos que gostariam de adquirir competências a pensar num futuro bem-sucedido?

Tenho tendência a considerar – e a comprovar empiricamente – que, quanto mais longe estes jovens levam o seu interesse e a sua curiosidade intelectual, melhor se dão na vida. Não me refiro, concretamente, aos seus rendimentos ou aos seus salários. Mas quem é mais ávido de conhecimento tem quase sempre mais vontade de participar em eventos culturais, de estabelecer e aprofundar a sua relação com a arte, de intervir em tertúlias, blogs, até nas redes sociais, participando com opinião. E o saber é um domínio sem fim. Hoje, ter um curso é uma ferramenta, sem dúvida; mas há que fazer várias aproximações à formação em diferentes áreas, a várias discussões, a vários debates. Até porque o mundo gira a uma velocidade muitíssimo superior do que sucedia há 50 anos. E, portanto, não há compaixão. Para um jovem conseguir decidir informado, tem muito trabalho pela frente em termos de estudo, de formação, do número de vezes que tem de voltar às Universidades. É toda uma dinâmica imparável. A menos que queiramos, logo que concluído o Ensino Superior, fixar-nos num determinado lugar e por ali ficar; o que também não é certo, nem adquirido, nem recomendável: um dia acontece um problema de percurso na organização – estou a pensar, por exemplo, em restruturações – e essa pessoa estará, muito provavelmente, entre os alvos mais fáceis…

Ao longo de vários anos e da sucessão de governos, o ensino tem sido sujeito a uma série de reformas e contra-reformas, que, muitas vezes em prejuízo do professor, também não abonam a favor do aluno…

O professor tem uma responsabilidade imensa naquilo que faz. Se erra uma vez e se pensarmos nesse deslize multiplicado por dez, por quinze ou vinte mil, as consequências podem ser inimagináveis lá fora, no mercado… Além de ao professor ser naturalmente exigido muito cuidado com o que faz, a sua atitude constitui um desafio permanente, no sentido em que deve posicionar-se e actuar suficientemente próximo e, ao mesmo tempo, distante dos seus alunos. E este equilíbrio tem muito que se lhe diga. Ao prefaciar o livro 67 Vozes por Portugal – A Grande Oportunidade [obra recém-lançada com a chancela da Oficina do Livro, reunindo textos de personalidades de vários quadrantes da nossa vida pública, de Adriano Moreira a Isabel Jonet, de Rui Nabeiro a Licínio Pina] entendi pertinente incluir esta citação do escritor e docente norte-americano Frank McCourt [1930-2009, distinguido, designadamente, com o Prémio Pulitzer e o National Book Award]: “(…) O professor é, ao mesmo tempo, um sargento instrutor, um rabi, um ombro amigo, um disciplinador, um cantor, um erudito de baixo nível, um funcionário administrativo, um árbitro, um palhaço, um conselheiro, um controlador de vestimentas, um maestro, um defensor, um filósofo, um colaborador, um dançarino de sapateado, um político, um terapeuta, um louco, um polícia de trânsito, um padre, um pai-mãe-irmão-irmã-tio-tia, um contabilista, um crítico, um psicólogo, o último reduto (…)”. O professor é isto. Perguntar-me-ão: é quase tudo? Para uns, funcionará de uma maneira; para outros, a abordagem – ou a representação – será diferente. Entretanto e a este propósito, outra questão poderá levantar-se: é difícil reformar este sistema com este tipo de atores que fazem estas coisas? A minha resposta é afirmativa, sim, ainda que que reconheça não ser, de todo em todo, impossível.

A nossa transição digital vem acontecendo a um ritmo que pede maior aceleração…

Mais do que uma transição, estamos a viver uma revolução. E as Universidades absorveram isto muito bem. Não tem havido problemas de maior. A diferença mais notória está na (ou melhor, na falta de) proximidade física, no sentido da troca de olhares, no gesto, numa palavra de conforto ou, até, num incentivo naquela habitual formulação “força, vamos lá”… Perdeu-se um pouco a personalização, é certo. Agora, sob o ponto de vista tecnológico, no domínio dos meios, da forma como se ensina – que foi modificada, quer em termos pedagógicos, quer no número de exercícios práticos ou da convocatória para a participação – a adaptação aos novos tempos tem sido objectivamente positiva.

E a vontade de aprender mais, sempre mais?

O querer saber mais é uma dimensão interessantíssima. E o querer ser bom, também. Os dois predicados fazem o sujeito, não direi seguramente indispensável, mas, por certo, incontornável. E exemplar, ao assumir, como inegociáveis, valores e princípios.

Vê a ética compaginável com a competitividade?

Vejo. No respeito pelo outro, na generosidade. Num perfil para os média me pediram recentemente, solicitando respostas tout court, perguntavam-me qual a característica que eu mais valorizava num ser humano. E eu respondi a generosidade. Ser capaz de ser generoso mexe com uma série de outros atributos. Apesar dos escolhos que a vida sempre nos reserva, as pessoas generosas têm – arrisco a dizer, por tantos exemplos que conheço – maior probabilidade de ser mais aceitáveis e, inclusive, de ter um período de longevidade completamente diferente. Falo de longevidade profissional e pessoal.

Como vê Portugal no contexto das tão faladas boas práticas?

Somos um early adopter em termos tecnológicos. Poderemos também sê-lo nas práticas ambientais. E nesse sentido, contribui – e muito – aquilo nós fazemos precisamente aqui, que é a Educação. Os portugueses têm de ser confrontados com estes 17 Objectivos de Desenvolvimento Sustentável [ODS] da ONU e o essencial da Agenda 2030. Temos de viver, pensar, trabalhar com e sobre esses objectivos. E percebermos o impacto fortíssimo que esse compromisso tem na actividade quotidiana de cada um de nós. A partir daí, em cada decisão que sejamos chamados a tomar, podemos e devemos fazer diferente.

Tem a percepção de que esta é a cadência adequada para chegarmos “lá” a tempo e horas?

Portugal, sendo um país pequeno, versátil, flexível, falta-lhe cultura destas coisas. Mas também não me parece que estejamos assim tão longe dos países que, neste capítulo, são referência.

A nova correlação de forças no xadrez geopolítico mundial, as incertezas geradas pelos conflitos regionais – sempre com uma dimensão pluricontinental, é certo –, as novas pandemias que a comunidade científica prevê para mais tarde ou mais cedo; isto dá-lhe que pensar?

Tudo isto veio por em causa toda uma série de verdades que tínhamos assumido e tomado por adquiridas. Estamos ainda a processar, só não sei se estaremos sempre a processar bem; tenho muitas dúvidas. Ganhámos em várias áreas, a tecnológica fala por si, mas perdemos no lado da socialização, no lado da amizade mais próxima, do abraço… E não só. Mesmo naquilo que é espontâneo das pessoas e que vai surgindo no dia-a-dia – uma coisa é o ecrã, outra é passar num corredor e ir beber um café com alguém. Um CEO norte-americano, em entrevista recente, foi categórico: “(…) Não, não, não… eu quero toda a gente outra vez na empresa, porque aquela espontaneidade para a inovação quando passas no gabinete do lado e dizes ‘desculpa lá, importas-te de me explicar isto e aquilo?’… Sucede que isto e aquilo não está, não pode estar programado para as 11h00 no Zoom (…)”. Por ser espontâneo. Por fazer parte das pessoas levantar-se e caminhar em direcção ao outro, pedir-lhe opinião ali, frente a frente, sem interposto ecrã… Não podemos trabalhar à distância uma vez por semana ou duas ou três ou quando quisermos… Com uma geometria tão variável, deixamos de nos cruzar e encontrar. E aí, passamos a funcionar como uma ilha ou várias ilhas, tanto faz…

Ainda assim, podemos voltar a sonhar? Essa mensagem passa nesta Casa?

Claro. Temos de sonhar sempre. O mundo nunca deixou de ter problemas. E, apesar de tudo, hoje vivemos melhor do que ontem. Por isso, há que seguir em frente. E acreditar. E realizar. E deixar um legado, o melhor que nos for possível, às novas gerações. Estou a pensar nos meus filhos. Mas também nos meus alunos.