1 de Janeiro 2019

Ideias Portuguesas revestidas de inovação

IKEA e Stora Enso. Ou simplesmente dois exemplos de marcas de topo rendidas à inovação da Matter. Uma pequena startup do Porto, criada pela arquitecta Ana Lima, que se distingue na transformação de resíduos industriais (da cerveja ao cacau) em aglomerados para mobiliário e revestimentos. A notoriedade cresce. E os prémios sucedem-se. Entre eles, o Prémio Empreendedorismo e Inovação CA 2017, Categoria Cereais Porto, Rua da Picaria, paralela à Avenida dos Aliados. Às 12h em ponto encontramo-nos na Fábrica da Picaria, o primeiro brewpub da Cidade Invicta ou, por outras palavras, um espaço de referência na produção de cerveja artesanal, directamente da cuba para o copo do Cliente. Exactamente à hora marcada, chega também a nossa anfitriã. Fixemos bem o seu nome: Ana Lima. A jovem arquitecta, formada na Faculdade de Arquitectura do Porto, não marcou encontro connosco neste lugar... por um acaso. Ana é a face visível da Matter, startup especializada na transformação de resíduos industriais – desde logo resíduos de produção de cerveja, vinho, azeite e cacau, principalmente – que depois resultam em aglomerados sustentáveis ao serviço do sector do mobiliário e dos revestimentos. As suas competências são tão elevadas que os projectos com a assinatura da Matter já correm o mundo, seduzindo marcas de topo, como IKEA ou Chanel. Ana ainda não fez quarenta anos, mas tem já um grande percurso de aprendizagem, investigação e desenvolvimento, que a levaram a trabalhar em Espanha, na Suíça, na Holanda e no Japão, averbando no seu portefólio a passagem em reputados escritórios de arquitectos como Herzog & de Meuron. “Sempre tive paixão pelos materiais, sempre fui atraída pela materialidade, pela exploração das texturas”, confessa. A exemplo de muitos casos que acontecem à boa maneira portuguesa, foi preciso o reconhecimento fora de portas para, depois, Portugal descobrir todo o potencial de inovação desta jovem arquitecta que faz cair por terra a noção – ou a percepção redutora – de que as startups e o empreendedorismo que lhes está associado têm forçosamente a ver com tecnologia digital, software e por aí adiante... Longe disso. “Quando lancei a Matter, eu quis apenas criar uma empresa como se fazia antigamente, empreendendo à minha maneira. Mas até por me posicionar no contexto da indústria, ninguém em Portugal, nos meus primeiros tempos, me levou muito a sério. Isso só aconteceu depois do desempenho em Espanha, onde nos foi atribuído [em 2017] o primeiro prémio do Climate Launchpad, competição de negócios ambientalmente sustentáveis, o que nos permitiu concorrer, justamente em nome do país vizinho, às finais europeias realizadas na Estónia”. Convém dizer que, naquelas provas derradeiras, o projecto da portuguesa (e portuense) Matter ficaria entre os dez primeiros, valendo-lhe a participação no Climate-KIC na Holanda, programa europeu de referência no âmbito das alterações climáticas – e esse acabou por ser o seu primeiro grande salto. E porque será que, salvaguardadas as comparações e as devidas distâncias, estamos a pensar em Fernão de Magalhães que, com Portugal desinteressado no seu projecto, se dispôs a fazer história ao serviço da coroa espanhola, por mares nunca dantes navegados?... Pois é. Voltando um pouco atrás, quando Ana iniciou um doutoramento em design, com a missão de encontrar uma cola natural, esse trabalho muito técnico levou-a a passar praticamente um ano confinada ao laboratório. Um ano que acabaria por ser de grande aprendizagem e que esteve na base de várias parcerias estabelecidas, a partir daí, com empresas da indústria química que também investem no estudo de ligantes naturais. Tudo somado, a Matter já mostrou as suas competências à multinacional sueca IKEA, entrando para um restrito lote de parceiros que serão brevemente chamados a co-criar projectos de inovação, em moldes ainda por definir. Mas não só: “Chegámos recentemente da Finlândia, com muitas expectativas em relação ao início do próximo ano. Através do programa da Stora Enso [gigante da indústria da madeira e do papel, com capitais finlandeses e suecos] dirigido a startups de todo o mundo, o nosso projecto de transformação de resíduos passou a uma primeira short-list com 19 concorrentes, depois a uma segunda com 12 e, finalmente, a uma terceira apenas com seis... E agora é uma incógnita”. E uma inquietação no melhor sentido da palavra, acrescentamos nós. E um orgulho, a somar a tantos outros, como o de presentemente estar a realizar um projecto apoiado pelo Fundo Ambiental, no âmbito do Programa Apoiar a Transição para uma Economia Circular. Orgulho e satisfação, conta-nos Ana, sentidos quando recebeu o Prémio Empreendedorismo e Inovação CA 2017, Categoria Cereais. “Fiquei surpreendida por terem reparado no nosso trabalho; cada prémio é um reconhecimento, uma validação, um sinal de que estamos no bom caminho.” Caminho aberto a todos os sucessos da Matter. Desde a cidade do Porto e tendo o mundo como limite.