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Professor catedrático do Departamento de Engenharia Electrotécnica e de Computadores do Instituto Superior Técnico, e investigador sénior no Instituto de Telecomunicações, onde lidera o grupo de Análise de Padrões e de Imagem, Mário Figueiredo, 63 anos, tem na Inteligência Artificial (IA) uma das suas áreas de investigação de referência. O trabalho feito e publicado, bem como a voz esclarecida em diferentes fóruns em Portugal e no Mundo, falam por si. E deixam perceber o porquê de integrar o núcleo restrito de Professores e Investigadores Distintos, assim chamados por contribuirem de “forma excepcional para o dinamismo do Instituto Superior Técnico”. Recebeu-nos, em entrevista exclusiva, para nos dizer o que vê quando olha para a IA.
Assim de repente e sem aviso prévio, pelo menos aos olhos do cidadão comum, eis que a IA entrou nas nossas vidas e veio para ficar. O fenómeno mexe com tudo e todos, em todas as latitudes, como que a proclamar uma nova era sem retorno. Que lhe diz a sua observação?
Embora as pessoas não se apercebam, a IA está omnipresente, sobretudo, nas redes sociais, onde é muito mais preponderante que no ChatGPT e numa série de outras coisas que, entretanto, apareceram como sendo o pináculo desta nova era. Acresce que a IA não chegou agora. É uma história antiga, que vem dos anos cinquenta do século passado. De facto, conheceu muito recentemente uma explosão notável com o aparecimento, em 2022, do ChatGPT e dos modelos de linguagem. Mas, muito antes disso, já estava a ter um enorme impacto na sociedade global, uma vez que o motor das redes sociais é precisamente a IA. Por outras palavras, a IA é que controla as redes sociais e, a partir daí, assume uma importância determinante no modo como as pessoas vêem e interagem com o mundo. A sua relevância tem passado muito por aqui, pelas redes sociais, muito mais que nas outras vertentes e ferramentas da chamada IA generativa.
Que razões temos para confiar e, em contraponto, desconfiar da IA?
Eu costumo fazer uma apresentação a que dou o título “IA: devemos temer as máquinas?”. A minha conclusão é que não devemos temer ou desconfiar das máquinas; devemos, sim, temer ou desconfiar dos donos das máquinas. É que por detrás da IA e destes grandes modelos de linguagem modernos – mais ainda, por detrás das redes sociais, há empresas poderosíssimas a disputar um negócio gigantesco que fez com que o controlo da maneira como os cidadãos interagem com a política e a economia tenha mudado radicalmente nos últimos vinte anos. Daí que tenhamos de estar muito atentos, ainda que não aos aspectos técnicos; a IA, por enquanto, não é um agente que decide o que faz, mas uma ferramenta nas mãos de pessoas muito poderosas, os chamados “donos da IA”.
No capítulo dos progressos tangíveis trazidos até agora pela IA, que avanços devem ser sublinhados?
Na minha opinião, creio que não será tão visível para o cidadão comum, um dos impactos positivos das técnicas de IA é a sua aplicação na ciência. Assim tem acontecido ao longo das últimas três décadas e, em termos de exposição mediática, foi bem destacado no ano passado com a atribuição dos Prémios Nobel, em particular, o Nobel da Química. Refiro-me a dois dos três cientistas galardoados, o britânico Demis Hassabis e o norte-americano John Jumper, que foram distinguidos pelo desenvolvimento da AlphaFold2. Trata-se de uma ferramenta que permite prever a estrutura de moléculas com base na sequência genética, avanço que está já ter um enorme impacto na medicina, desde logo no desenvolvimento de novos fármacos. Ainda no campo científico, o impacto da IA é já significativo também na investigação em biologia, mas, em boa verdade, não haverá actualmente nenhum ramo da ciência que esteja imune a estas ferramentas: seja a transformar métodos que outrora eram muito trabalhosos – e, por isso, morosos – em métodos mais eficientes e mais rápidos; seja a ter acesso a literatura de uma forma crítica – hoje em dia, é muito fácil colocar a IA a ler e a fazer sumários de livros ou, até, a fazer argumentação sobre novas ideias. É crescente o impacto da IA na tecnologia e, a partir daí, abrindo caminho à descoberta e ao avanço da ciência.
Definir os limites e regular a utilização da IA representam um desafio de contornos ainda pouco nítidos e muito menos consensuais à escala global. Que lhe parece?
É uma questão relevante porque estamos perante uma tecnologia muito poderosa e com variadíssimas aplicações, a começar pelo modo como as pessoas acedem à informação e, por essa via, veem e interagem com o mundo. Insisto neste ponto: quem controla a informação tem um enorme poder sobre a sociedade. Entre os players mais poderosos, destacam-se os Estados Unidos e a China, com sistemas políticos muito diferentes, depois temos a Europa, um continente muito mais segmentado política e geograficamente, e que está a tentar correr atrás do prejuízo com alguma regulamentação. É uma tarefa muito difícil, muito desafiante e as opiniões dividem-se: há quem diga que a regulamentação na Europa será perigosa porque vai coartar o desenvolvimento pelo excesso de entraves regulatórios; há quem, por outro lado, considere que regular é a decisão certa – tal como acontece, por exemplo, com os medicamentos – justamente porque estamos a lidar com uma tecnologia muito poderosa e com impacto enorme na vida das pessoas. Falando por mim, defendo que tem de haver mais regulação, com certeza, mas reconheço que esta é uma batalha muito difícil porque os principais donos da IA não são europeus. Mas, mesmo sendo uma luta desigual, o que ainda torna a regulação mais complexa, considero que o caminho tem de ser por aqui, em defesa da civilização e do seu futuro.
São, também, divergentes as expectativas em torno do impacto da IA no mundo do trabalho. Há indicadores, ou pelo menos alguns sinais que apontem num sentido mais do que noutro, leia-se reduzir versus gerar emprego?
Fala-se muito sobre as consequências da IA como ferramenta que vem substituir pessoas, o que provavelmente vai acontecer. Seja como for, considero que a questão é mais complexa do que parece à primeira vista. Nos chamados países desenvolvidos é notório um progressivo envelhecimento da população que acelera a inversão da pirâmide etária e, dentro de poucas décadas, haverá prevalência de pessoas acima dos 65 anos. Tudo se encaminha, assim, para uma força de trabalho cada vez mais enfraquecida, pelo que, possivelmente, vai ser necessário contar com a automação de modo a corrigir essa diferença. Por enquanto, ainda não há grande impacto visível da IA em termos de emprego, embora em algumas áreas, mais recentemente, sobretudo na programação, já haja alguma evidência de que as empresas que contratam muitos programadores para desenvolver software estarão a contratar menos. E isso acontece porque as ferramentas de IA conseguem fazer parte desses trabalhos, especialmente os mais simples. Ainda assim, em termos gerais, o declínio de contratação não é, para já, um dado adquirido, ou, pelo menos, muito expressivo. O futuro o dirá.
Por falar em futuro, e voltando a espreitar o tema pelo ângulo positivo, o que vê perfilar-se num horizonte próximo?
Uma nota prévia só para dizer que gosto muito daquela frase “previsões só no fim do jogo”… [risos] Seja como for, creio que a IA vai continuar a ter um impacto muito grande na ciência e, por essa via, a ser útil em várias frentes, nomeadamente no combate às alterações climáticas e na aposta bem-sucedida em economias mais sustentáveis. Hoje em dia, inclusive, a IA já é utilizada no desenvolvimento de diferentes materiais, na optimização de processos industriais, na agricultura de precisão, enfim, isso já está a acontecer em muitas áreas. Acredito, finalmente, que a IA permitirá à economia tornar-se muito mais eficiente do ponto de vista ambiental, o que beneficiará o futuro do Planeta.
A IA é que controla as redes sociais e, a partir daí, assume uma importância determinante no modo como as pessoas vêem e interagem com o mundo.
Tem de haver mais regulação, com certeza, mas reconheço que esta é uma batalha muito difícil porque os principais donos da IA não são europeus.
Mas, mesmo sendo uma luta desigual, o que ainda torna a regulação mais complexa, considero que o caminho tem de ser por aqui, em defesa da civilização e do seu futuro.