31 de Agosto 2025

Pão que nos fala ao coração

A Associação Vale de Acór é, desde 1994, uma porta de esperança para “os novos pobres”, três palavras que fixam a realidade crua e desafiante do universo dos toxicodependentes e alcoólicos, toxicodependentes com problemas psiquiátricos (duplo diagnóstico) e toxicodependentes reclusos e ex-reclusos. Inspirada no lugar com o mesmo nome que, perto de Jericó, em Israel, conduz à Terra Prometida, esta IPSS propõe a quem recebe um caminho para voltar a ser pessoa, num espaço de pertença, atenção personalizada e tratamento especializado. O seu mais recente projecto, a padaria-escola Casa do Pão, está, justamente, entre os vencedores do Concurso Dia CA Mais Sustentável 2025.

 

A Casa do Pão, em pleno centro histórico de Almada, é um projecto-piloto que visa proporcionar a pessoas em fase final do programa terapêutico da Associação algo mais do que uma ocupação momentânea. No âmbito da Academia Vale Acór, recente estrutura que combina diferentes competências, a nova padaria-escola convida a aprender, em contexto real de trabalho, o essencial da panificação e a aproveitar futuras oportunidades profissionais que surjam do exterior. “O propósito inicial é dar formação anual a 16 pessoas, com o apoio da Escola Superior de Hotelaria e Turismo do Estoril (ESHTE)”, avança Isabel Avillez, responsável da área de Fundraising da Associação Vale de Acór, sublinhando que as metas estabelecidas apontam para “a criação, em cada ano, de três a quatro postos de trabalho protegido”. Quanto ao pão saído do forno, por um lado temos o autoconsumo, servindo os cerca de 160 residentes da Associação, e, por outro lado, a dinamização da venda junto de mercados sociais, instituições locais e nas lojas de Almada e Lisboa. Acresce que a Casa do Pão é um projecto replicável, onde os formandos têm acesso a módulos de formação prática noutras áreas da Academia Vale de Acór, como os gelados Fratellini, a cozinha com serviço Take-Away e as referidas lojas. “É uma oportunidade para pessoas com percursos de vida muito difíceis e com grandes dificuldades de integração no mercado de trabalho”, faz notar Isabel Avillez.

Trinta e um anos de actividade convocam a avaliar a espessura e o alcance da obra feita, para depois olhar o fio do horizonte e seguir em frente, movidos pela certeza de que estamos “vivos pelos outros” – lema, imperativo e assinatura da Associação Vale de Acór.

Presidente e fundador, o Padre Pedro Quintella continua a interrogar-se: “Como em tudo, a excepcionalidade do começo, de ousar e arrancar, trás consigo a pertinente interrogação sobre qual a maturidade do propósito: têm fôlego? Que desígnio vos move?”. Na sua leitura, os 31 anos de vida da Associação mostram a consistência da marca. E a convicção de que esta é também a marca imensa da amizade. “Reparamos que tivemos muitos e grandes amigos, de modo a podermos continuar. O que conseguimos foi-nos também entregue, oferecido, confiado e partilhado. Por quem acreditou no que nós acreditávamos, por quem nos deu mais do que nós esperávamos, por quem descobriu connosco caminhos, por quem viu em nós esperança. Certo é, também, que nos foi concedida a graça de mantermos a nossa equipa de trabalho com uma elevada estabilidade e, ao mesmo tempo, de continuarmos a atrair gente muito capaz e disponível para esta aventura de espírito de serviço”.

Tudo isto passa por manter equipas motivadas e disponíveis. Por desenvolver competências e projectos institucionais que consigam garantir a sustentabilidade da organização. Não fugir ao apelo originário e ao fundamento da missão. Trabalhar, trabalhar e trabalhar numa perspectiva de serviço. Manter a porta aberta e convidativa à sociedade civil. “E ainda e sempre”, faz questão de destacar o Padre Pedro Quintella, “manter com o Estado um diálogo que valorize o que fazemos, associando a liberdade e o bem, da nossa parte, ao rigor da gestão da res pública, da parte de quem governa”.



MOTIVADOS A IR AINDA MAIS LONGE

A criação da Academia Vale de Acór, que integra a Casa do Pão, representa a consolidação de um caminho que a Associação tem vindo a percorrer com o objectivo de promover acções de formação, ocupação e reinserção profissional dos seus residentes. Reconhecendo as dificuldades imensas que se colocam a pessoas marcadas por longos períodos de exclusão social e desemprego, a aposta incide num modelo integrado, estimulando o desenvolvimento pessoal, a capacitação e a empregabilidade de cada formando.

Isabel Avillez reitera que “a nossa cultura de sustentabilidade tem como eixo a pessoa, em relação próxima com uma comunidade viva onde cada passo é construído com os beneficiários, parceiros e voluntários, na construção imparável de uma rede de apoio a longo prazo”. E ainda que os fins não visem o lucro, desde logo por se tratar de uma IPSS, a vertente económica, neste caso, passa por garantir que cada projecto, a médio prazo, gere os seus próprios recursos, reduzindo a dependência de apoios externos e contribuindo para a sustentabilidade futura da Associação Vale de Acór.

Uma instituição agradecida ao Crédito Agrícola pela distinção obtida no Concurso Dia CA Mais Sustentável 2025, “um reconhecimento que nos motiva a ir ainda mais longe”. Parabéns!